O
Bond de Horak
Poucos sabem que
o fenômeno de mídia conhecido como James Bond já teve
uma boa e bem sucedida incursão pelo mundo das tiras em quadrinhos.
Por
Al Marat
Nascido
em 53 da mente febril de Ian Fleming, ele mesmo um homem que vivera no
emaranhado mundo da espionagem, o agente 007 foi uma resposta à
decadência do Império Britânico após o fim da
Segunda Guerra Mundial.
Naqueles anos o afamado serviço secreto inglês, ou MI-6 para
os que entendem do riscado, viu-se atingido por uma sucessão de
escândalos de agentes duplos e desertores homossexuais que esfarelaram
uma reputação duramente construída nos longos anos
do período entre guerras, tornando aquele órgão de
inteligência em mero coadjuvante de organismos “irmãos”
como a CIA.
Para os ingleses aquilo doeu na alma e foi pensando nisso que Fleming
visualizou as histórias de Bond como um paliativo para a imaginação
popular. Nos romances, Inglaterra ainda não tinha sido reduzida
ao papel ridículo de mordomo internacional dos Estados Unidos e
seus espiões salvaguardavam o mundo livre da hecatombe que se avizinhava.
Afinal de contas estávamos nos tempos duros da guerra fria.
Mas depois do primeiro romance (Cassino Royale) onde
Fleming ainda retratava de maneira fiel os meandros do obscuro mundo da
inteligência, já no segundo livro surgem os elementos mirabolantes
que iam fazer da saga do agente secreto aquilo que o cinema e mais de
vinte filmes se encarregaram de imortalizar.
Falamos, é claro, do universo de personagens canhestros e obcecados
pelo poder a qualquer custo como Ernst Stavro Blofeld, Auric Goldfinger,
Hugo Drax e outros que foram imortalizados nos 13 livros que Fleming deixaria
para a posteridade.
Mas o objetivo deste artigo é destacar a pouco conhecida mas longa
e bem sucedida incursão de 007 pelas páginas dos jornais.
Inicialmente Fleming rejeitara a proposta do Daily Express
de quadrinizar os romances por temer que a exposição nesta
mídia deturpasse ou reduzisse o valor literário de sua obra.
Vamos dizer que com seu excelente faro comercial o autor visualizava o
cinema como o caminho certo para a fama, como os eventos futuros viriam
a demonstrar. Afortunadamente o editor do Daily Express,
senhor Edward Pickering garantiu-lhe que as tiras seriam fieis aos romances
e o pai literário de Bond deu sua aprovação.
Assim, as tiras de James Bond, desenhadas originalmente por John Mc Lusky,
começaram a serem publicadas num dia de agosto de 1958. Mc Lusky
tinha um traço ortodoxo com um bom domínio das sombras e
era hábil com a pena, mas a personagem (supostamente inspirada
no jogador de golfe Henry Cotton), assim como seus coadjuvantes ficavam
terrivelmente estáticas, o que era quase um crime tratando-se de
uma série de ação. Mesmo assim, como as tiras desenhadas
por ele correspondiam aos primeiros romances de Fleming, pode se dizer
que o resultado foi bom.
Mas foi a partir de maio - ou junho- de 1969 que ele foi substituído
pelo manchuriano Yaroslav Horak que casualmente estreou com a quadrinização
de “O Homem da Pistola de Ouro”.
Para
os leitores dos romances este detalhe é importante pois na aventura
anterior (Só se vive duas vezes) Bond é dado por desaparecido
e abandonado numa ilha do Japão de onde se encaminhará,
amnésico, para Vladivostok, onde cairá nas mãos de
seus eternos inimigos, os soviéticos. Então, submetido a
ferozes sessões de lavagem cerebral, será remetido como
um foguete letal na direção de seu antigo chefe, o monumental
“M”.
Tal é a premissa e Horak nos surpreende com seu traço sujo
e cheio de rabiscos que dão o contorno necessário à
trama de vingança e morte que se desenvolverá a seguir nos
canaviais de Jamaica. Não é desnecessário comentar
que o realismo imprimido pelo desenhista, assim como seu amor pelos detalhes
e a ambientação, fizeram deste trabalho uma verdadeira obra
prima daquelas de deixar babando qualquer amante das histórias
em quadrinhos de aventura.
Depois Horak ainda adaptou outros romances de Fleming, poucos em verdade
já que Mc Lusky desenhara quase todos, e mais tarde com o roteirista
Jim Lawrence trabalhou em episódios criados especialmente para
os jornais, o que era uma tarefa hercúlea em termos de imaginação.
Em 77 as tiras de Bond mudaram para o Sunday Express
e Lawrence e Horak acompanharam a mudança para depois de quatro
meses abandonar a série. Esta ainda voltaria às mãos
de Mc Lusky mas os roteiros beiravam o ridículo e o grupo Express
desistiu da empreitada.
Pelo que tenho podido averiguar, Horak tem uma longa e bem sucedida história
como quadrinista na Austrália, país onde reside há
muitos anos. Lamentavelmente seus trabalhos não se encontram disponíveis
aqui no Brasil, mas até hoje suas histórias em parceria
com Lawrence, que continuam no topo das aventuras clássicas, são
lembradas e reeditadas constantemente para beneplácito dos leitores
de HQ de qualidade.
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