Alex Raymond
Os
muitos mundos de Alex Raymond
Mário
Latino
Nos
anos 30, a tira de aventuras estava em ascensão. Tarzan,
Dick Tracy (o policial durão de Chester Gould) e Buck
Rogers mantinham os leitores extasiados. Existia uma autêntica
guerra entre os syndicates, cada um se esforçando para apresentar
a tira mais cativante. O King Features Syndicate parecia estar
alheio a esse confronto. Na verdade, se preparava para dar o troco. Em
janeiro de 1934, e com diferença de poucos dias, lançou
três tiras para fazer concorrência às já citadas.
As novas tiras de aventuras eram "Jungle Jim", "Secret
Agent X-9" e "Flash Gordon". Todas elas, fato
único na história das HQ, desenhadas pelo mesmo artista!
Até
esse momento Alexander Gillespie Raymond era desconhecido no mundo das
HQ. Na verdade, começara a desenhar muito cedo, encorajado pelo
pai. Aos 18 anos entrou para a Escola de Desenho Grand Central.
Mais tarde trabalhou como assistente de Russ Westover na tira Tillie,
The Toiler e depois com o célebre Chic Young e com o irmão
deste, Lyman na série Tim Tyler's Luck, fazendo as tiras
diárias e páginas dominicais.
Quando
o King Features Syndicate abriu um concurso para descobrir tiras
em quadrinhos que pudessem enfrentar as tiras da concorrência, Raymond
apresentou Flash Gordon e Jim das Selvas. Ganhou na hora,
recebendo ainda o convite para desenhar o Agente Secreto X-9 que
era escrita pelo famoso romancista Dashiell Hammett.
Raymond se submeteu a um ritmo infernal, pois tinha que desenhar todas
as tiras diárias, mais as páginas dominicais. O Agente
Secreto X-9 fazia concorrência direta a Dick Tracy, mantendo-se
em pé de igualdade com a tira mencionada. Jim das Selvas
tinha a missão mais difícil de todas, enfrentar o Tarzan
de Foster. Não era tarefa fácil, mas as aventuras de Jim
Bradley na África e no Extremo Oriente não fizeram feio
competindo contra as façanhas do homem-macaco.
Mas
foi com Flash Gordon que Raymond atingiu o sucesso absoluto. A
tira, futurista, narrava as aventuras de Flash, sua namorada Dale e o
professor Zarkov, no planeta Mongo, contra a cruel tirania do imperador
Ming. Flash Gordon pouco tinha de ficção científica,
servindo mais de desculpa para Raymond exercitar sua imaginação
apocalíptica.
Flash Gordon transformou-se num sucesso pela beleza do estilo de
Raymond, cujos desenhos - limpos e claros -pareciam ter se inspirado nas
pinturas de Michelângelo. E se em Flash Gordon a eterna luta entre
o bem e o mal se manifesta de maneira simplória, com uma história
que não era lá essas coisas, a concepção plástica
da mesma compensava tudo.
Pouco
tempo depois, à beira do esgotamento, Raymond largou Agente
Secreto X-9 e Jim das Selvas para se dedicar exclusivamente
à sua cria mais famosa, Flash Gordon.
Enquanto isso, nuvens negras de guerra se acumulavam nos céus da
Europa. A catástrofe estava por chegar, e nem desenhistas de histórias
em quadrinhos estavam imunes a ela.
Do
Planeta Mongo para as ruas de Nova Iorque
A
eterna luta entre o bem, representado pelo musculoso e apolíneo
Flash, e o mal, encarnado no sombrio e detestável imperador Ming,
não estava alheia ao momento histórico.
Não era pura casualidade que as feições do imperador
Ming fossem orientais numa época em que os japoneses invadiam a
Manchúria. Nem que Mongo com todo seu aparelho repressor lembrasse
a claque nazi-fascista que, ao outro lado do Atlântico, iniciava
a conquista de Europa.
É importante dizer que, enquanto os políticos norte-americanos
pregavam uma neutralidade imbecil, os desenhistas em quadrinhos já
tinham assumido uma posição beligerante. Isso fica mais
que evidente quando vemos o material que era publicado então. Os
heróis desenhados por Milton Caniff derrotavam as hordas japonesas
e o agente X-9 desmantelava redes de espiões alemães na
mesma época em que Tarzan, O Fantasma e O Capitão
César, entre outros, enfrentavam nas tiras de jornal o perigo
totalitário que nos anos vindouros colocaria o mundo em xeque.
Quando os Estados Unidos, apavorados pelos acontecimentos de Pearl Harbor,
entraram na guerra os desenhistas de histórias em quadrinhos já
estavam preparados para fazer sua contribuição. Enquanto
a maior parte desse aporte se refletiu nas tiras para jornal, alguns desenhistas
foram para o campo de batalha, Raymond entre eles. A bordo do porta-aviões
USS Gilbert Islands, e com a patente de capitão, testemunhou as
batalhas de Okinawa e Bornéu.
Em
1946, já de volta do horror da guerra, Raymond inicia uma nova
tira, Rip Kirby. Kirby, como Raymond, é um ex-oficial da
Marinha que se torna detetive particular. Suas aventuras, tendo como pano
de fundo a alta burguesia nova-iorquina, nostálgica por um mundo
aristocrático que não existe mais, mostram uma evolução
incrível na construção psicológica das personagens.
Não é mais o ponto de vista simplório das histórias
de Flash Gordon. Em Rip Kirby Raymond deixa claro que o crime é,
muitas vezes, produto de um sistema econômico injusto e excludente.
E, como na novela noir, muitas vezes a podridão está instalada
nas classes sociais mais abastadas.
Na elaboração das tiras de Rip Kirby, Raymond desenvolveu
um método de trabalho que envolve fotografia, modelos vivos, uma
pesquisa exaustiva de ambientes, vestuário e costumes. Raymond
- que já fora ilustrador de revistas como Collièrs Weekly,
Blue Book, Esquire e Look - está desenhando
como nunca. Ele mesmo chega a declarar: "Estou sinceramente
convencido de que a arte dos quadrinhos é uma forma de arte autônoma.
Reflete sua época e a vida em geral com maior realismo, e, graças
à sua natureza essencialmente criativa, é artisticamente
mais válida do que a mera ilustração. O ilustrador
trabalha com máquina fotográfica e modelos; o artista dos
quadrinhos começa com uma folha de papel em branco e inventa sozinho
uma história inteira - é escritor, diretor de cinema, editor
e desenhista ao mesmo tempo".
O crítico americano Kenneth Rexroth declarou que todas as histórias
de aventuras podem ser reduzidas a dois protótipos: A Ilíada
e a Odisséia. Desse ponto de vista o Flash Gordon seria
o Aquiles das HQ enquanto Rip Kirby viria ser Ulisses.
Rip Kirby ficou melhor ainda quando à equipe de Raymond
se juntou Fredd Dickinson, ex-repórter policial. Os roteiros adquiriram
um realismo e ritmo que não tinham até então.
Raymond
ainda estava enveredando pelo caminho do sucesso quando morreu tragicamente
enquanto experimentava um automóvel do também quadrinista
Stan Drake. Tinha apenas 47 anos e muito para fazer no campo dos quadrinhos.
Após a morte de Raymond, Rip Kirby continuou sendo feita
pelo desenhista John Prentice. E, coisa estranha, o trabalho de Prentice
era tão idêntico ao de Raymond que os conhecedores não
sabem dizer onde termina o trabalho de um e onde começa o do outro.
Costuma-se dizer que criadores e artistas atingem o ápice da criatividade
aos cinqüenta anos, quando talento e experiência se equilibram.
Se isso é verdade, Raymond, o criador das fabulosas páginas
de Flash Gordon, ainda estava começando.
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