O poderoso Thor nas mãos de Walter Simonson

Al Marlat

Não posso deixar de lembrar com uma mistura de saudade e tristeza o final dos anos 80. Naquele então os amantes dos quadrinhos presenciamos uma enxurrada de boas histórias como nunca se viu nas bancas de jornal pelo Brasil afora. Alguém poderá me acusar de nostálgico, mas aqueles que viveram esse momento concordarão comigo em que aquilo foi um fenômeno inexplicável que provavelmente nunca se repetirá.

Eram os dias de um Frank Miller que no auge de sua capacidade artística nos dava Cavaleiro das Trevas, Batman, Ano Um, Elektra Assassina e A Queda de Murdock. Mas também eram os tempos de Howard Chaykin arrebentando com sua versão do Sombra, os Falcões Negros e Black Kiss, tempos de Maus, de Orquídea Negra, Love and Rockets, Rocketeer, Dreadstar, Sandman e Alan Moore com Watchmen e Miracleman. De quebra ainda tínhamos a Liga da Justiça de Kevin Mc Guire e títulos tão extravagantes como O Demônio da mão de vidro, Seeker e A Era Metalzóica. E se fosse pouco ainda encontrávamos a revista Animal, Chiclete com Banana e Piratas do Tietê.

Mas se eu tivesse que escolher aquilo que mais me marcou, sem dúvida ficaria com as histórias do deus do trovão escritas e desenhadas por Walter Simonson. E por várias razões.
A primeira delas foi que Walter Simonson soube, valendo-se de seu elevado conhecimento da mitologia nórdica, emprestar nova vida a uma personagem que nem sempre foi do agrado dos marvetes, o que em termos econômicos significava uma revista a caminho do cancelamento.

Assim, sem medo de enfiar os pés pelas mãos, eliminou alguns elementos que faziam até então parte do universo da personagem. É claro que estou me referindo a seu alter ego, o Doutor Donald Blake e sua bengala. Mas a série de mudanças não parou por aí. Surgiu Bill Raio Beta, um cara com rosto de cavalo e um coração capaz de conquistar Lady Sif, a até então namorada do loirão. Para piorar, o Bill Raio Beta derrotou Thor na porrada, algo realmente inacreditável para o fã de quadrinhos, e garantiu o direito de ter seu próprio martelo místico.

É, as histórias de Simonson tinham um andamento atípico, bem diferente do ritmo dos super-heróis que nunca saem do lugar, mesmice pura. Um exemplo? Ele converteu Balder o nobre num gorducho de cabelos brancos atormentado pelas visões que tivera nos domínios de Hela e não contente com isso o colocou na maior fria, só para torná-lo o maior herói de todos. Mais outro? Ele transformou Thor num sapo e sob essa aparência o deus do trovão viveu fantásticas aventuras no Central Park. E que dizer de Ragnarok, o fim dos deuses que ele foi construindo de maneira tão brilhante?

Mas há outro detalhe que me encanta no trabalho de Walter Simonson, e é sua habilidade como desenhista. É notória a influência que Jack Kirby exerceu nos desenhistas que vieram após ele, entre os que poderíamos citar John Buscema, Mike Mignola, Steve Rude e Simonson. No caso deste último ela é visível na sua dinâmica narrativa com grandes painéis que se sobrepõem e muitas vezes se completam, nas linhas de ação e na composição das vinhetas assim como nos ombros exageradamente largos de suas personagens masculinos e nas curvas generosas das fêmeas.

Mas seria asneira esquecer que antes do artista ser influenciado pelo “Rei”, já Simonson tinha desenhado títulos como Batman, o cultuado “Manhunter”, Conan o Bárbaro e algumas histórias de Tarzan. É esta bagagem clássica a que lhe permitiu ir além de uma simples imitação e trilhar novos caminhos dos quais as aventuras do Deus do Trovão foram apenas o primeiro passo. Depois ainda viria um período, breve demais, em que resgataria o fulgor que os Quatro Fantásticos tinham perdido desde a saída da dupla Stan Lee/Jack Kirby. Nós, leitores, ainda não tínhamos consciência disso e embora fossemos obrigados a engolir o famigerado formatinho, estávamos lendo um clássico.


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