Blackmark, a história em quadrinhos que previu o futuro

Al Marat

Acaba de sair nos EUA uma edição especial comemorando os 30 anos da primeira publicação, do romance gráfico "Blackmark", criado e desenhado por Gil Kane, com textos de Archie Goodwin. "Romance gráfico" é o termo um tanto pretensioso, adotado por Will Eisner para definir quadrinhos “mais adultos” e isso é que "Blackmark" é: um "romance gráfico", ou uma "graphic novel" no sentido mais estrito do termo, um produto planejado e desenhado para ser lançado como um livro de bolso com mais de 100 páginas, e não como um álbum ou revista.

É surpreendente que, analisando o trabalho de Kane para "Blackmark" não podemos deixar de encontrar semelhanças com o que hoje é feito nos chamados “webcomics”: há o fluxo vertical da leitura - quase nunca há mais de dois quadros colocados lado a lado, e a ação, em cada página, é dividida em uma média de três blocos horizontais. Cada bloco é uma unidade de leitura bem definida, que abre espaço para a que vem logo abaixo. É impossível não pensar em cada uma dessas unidades horizontais como uma tela cheia de browser, dando lugar umas às outras graças ao "scroll" vertical - a barra de rolagem do browser ou, no caso do livro, o pescoço do leitor - que traz a cena seguinte ao centro do campo de visão.

E de que se trata? "Blackmark" é uma mistura de fantasia e ficção científica, que bebe sem dó nem piedade em fontes como as lendas arturianas, os romances marcianos de Edgar Rice Burroughs e livros de capa-e-espada tipo “O Prisioneiro de Zenda”, de Anthony Hope.


Há marcas de nascença, arenas de gladiadores, escravos rebeldes, votos de vingança, amores perdidos, mutantes malignos, um holocausto nuclear e uma nave espacial no papel de Excalibur - quem conseguir fazê-la decolar será o rei profetizado pela lenda (ah, sim: também há lendas proféticas).

Parece difícil levar esse tipo de história a sério hoje em dia, principalmente depois do esculacho a que o gênero capa-e-espada futurista foi submetido em inúmeros lugares, como o divertido quadrinho “Aliens Mutantes”, de Bill Plynpton, lançado no Brasil pela Conrad. Mas é sempre bom levar em consideração os milhões que aguardam ansiosos pelo novo filme da franquia Star Wars. E a arte de Kane faz valer cada clichê re-visitado.

Nascido em 1926, falecido em 2000, Gil Kane, nome adotado por Eli Katz, um filho de imigrantes da Europa Oriental radicados nos EUA, foi provavelmente uma das figuras mais importantes da chamada "Era de Prata" do quadrinho americano - quando, a partir de meados dos anos 50, os velhos super-heróis do "segundo escalão" dos tempos da II Guerra Mundial, como o Flash, Lanterna Verde e o Átomo, começaram a reaparecer de roupagem nova.

No final dos anos 60, porém, Gil Kane queria mais: ele era um fã dos filmes de ação e aventura, adorava a plasticidade das cenas de violência corpo-a-corpo bem coreografadas que via no cinema e queria levar isso para os quadrinhos.


Kane não era um "underground"; não queria usar o quadrinho para explorar temáticas alternativas, como sexo, desigualdade social ou drogas - queria, apenas, fazer "o de sempre", mas de maneira mais completa e bem feita do que a indústria da época permitia.

Para tanto, criou uma nova revista, “His Name is Savage”, sobre um agente secreto inspirado parte em James Bond e parte nos filmes de violência urbana estrelados por Lee Marvin - como Point Blank, refilmado, com Mel Gibson no papel principal, como Payback ("O Troco", no Brasil) - e desenvolveu o projeto "Blackmark" para editora Ballantine.

De Savage foi publicado apenas um número, e de "Blackmark" , previsto para se desenrolar ao longo de oito volumes, também saiu apenas o primeiro - o segundo já estava pronto e o terceiro ia pela metade quando a editora resolveu desistir.

A edição da Fantagraphics reúne o volume um, lançado nos anos 70, e apresenta, pela primeira vez, o volume dois.

Não chega a ser tão radical quanto algumas das experiências de Scott McCloud (autor de "Desvendando os Quadrinhos") com a diagramação de HQ para Internet, mas Gil Kane, no formato do livro, estava fazendo quadrinho para Web avant-la-lettre.


©2001-2017 GrapHiQ Brasil e Mario Latino - Todos os direitos reservados

Created and Hosted By MPG Studios