Hank Kethcham e a sombra de Pimentinha
Uma história de mágoas e desentendimentos por trás
da clássica “kid strip” inspirada no filho do cartunista

por Jaime Bernard

Poucos sabem que Henry King Ketcham, mais conhecido como Hank Ketcham se inspirou no seu próprio filho para criar Dennis the Menace, aquele garoto levado que inferniza até hoje a vida do pacato Mr. Wilson.

Se as tiras de Pimentinha, como foi batizado por estas praias, foram engraçadas desde o início, o mesmo não se pode dizer do que acontecia no lar do cartunista. The Merchant of Dennis, escrito por Ketcham na ocasião do quadragésimo aniversário da personagem, evita falar sobre o assunto, mas uma leitura menos superficial permite detectar esses problemas. Para começar, o cartunista faz poucas referências do próprio Dennis. Uma das raras citações diz que quando o garoto tinha 8 anos apresentou problemas de aprendizagem que não foram tratados a tempo. Sabe-se que sua esposa, alcoólatra e dependente química, morreu quando tinha 40 anos.

É difícil concluir se Dennis era o garoto levado das tiras ou se Hank e Alice, jovens e inexperientes, não sabiam como se relacionar com uma criança. O mesmo Ketcham diz no livro: “Todo garoto é como um computador que deve ser programado. Eles só estão descobrindo um mundo novo que não conhecem. E nós, adultos, não temos paciência para isso.” Mais tarde ele arrisca um conselho, sugerindo que todo casal deveria ter mais de um filho. “Não é bom para a criança. Ela passa a maior parte do tempo sozinha e as oportunidades de ficar entediadas são maiores.”

Esta atitude ambivalente do pai para com o filho começou cedo e durou até a morte de Ketcham, acontecida em 2001. Lendo The Merchant of Dennis encontramos as lembranças de uma viagem “com um moleque de dois anos e meio aprontando no banco traseiro do carro. Dennis fez que a gente sentisse raiva e frustração, mas nunca tédio.” Mais adiante ele descreve seu próprio filho de 4 anos como “muito novo para estar na escola, velho demais para ficar num berçário, muito pequeno para apanhar e novo demais para estar na cadeia.”

Assim, em 14 de março de 1951, com sua primeira publicação nos jornais, o Dennis de verdade tornou-se, para sempre, uma pálida sombra do Dennis das tiras em quadrinhos. Tiras que, com o passar do tempo, aprenderia a odiar.

“Ele não entendia nada de cartum”, aponta o pai em suas memórias. “As pessoas o cumprimentavam e perguntavam o que ele ia aprontar com o senhor Wilson naquele dia. Dennis teve uma crise de identidade que durou anos. Quando sua mãe morreu, a situação piorou.”

A morte de Alice estabeleceu um paralelo entre a vida de pai e filho. Hank Ketcham também ficara órfão de mãe quando tinha 12 anos. Mas o fato de ambos passarem por experiências iguais não os uniu. “Dennis já era um indivíduo independente”, justificou Hank. “Mais tarde ele entrou para a Marinha. Vivia com amigos de um canto para outro do Meio Oeste. Passei na Europa 18 anos. Nossos caminhos se separaram.”

Mais tarde o cartunista casou de novo e sua relação com Dennis melhorou. “Sempre desejei que fosse cartunista mas ele escolheu seu próprio caminho.” E quando Ketcham falava do filho sua voz adquiria um tom resignado e triste, que refletia velhas mágoas, ferimentos mal cicatrizados. Ele chega a mencionar no livro o caso do filho de Winsor Mc Cay, que viveu sempre à sombra do pai. “Para bem ou para mal, foi assim que as coisas aconteceram.”

Do seu segundo casamento Ketcham teve dois filhos, Dania e Scott. E deve ter sido um casamento mais feliz que o primeiro, pois esse estado de ânimo se refletiu no seu trabalho.

Pimentinha mudou muito com o passar dos anos, como a maioria das personagens das histórias em quadrinhos, do pato Donald a Blondie. Alice ficou mais atraente e o pai do garoto - obviamente inspirado no próprio autor - não tem mais a aparência de um nerd. O casal não briga mais e leva o filho com mais jogo de cintura, com mais humor. Dennis Ketcham, o real, precisava de algo assim.

Mas seria injusto culpar a Hank Ketcham pelo acontecido. Ele e sua irmã Joan cresceram sob os cuidados do pai, um rígido e disciplinado oficial da Marinha acostumado a bater nos filhos com um chicote para cavalos. Era o período da Depressão e da Lei Seca, duas forças negativas que, somadas ao autoritarismo do pai, repercutiram na educação do cartunista. “Sou do tipo de pessoas que exige um tipo de comportamento das crianças. Alguns códigos e etiquetas. E quando falo assim, de alguma forma, estou falando como meu pai.”

Morando em Seattle, Ketcham começou a se interessar pelo cartum através de um amigo do pai. Mais tarde optou pelo desenho animado. Foi bater na porta dos estúdios Disney e acabou sendo contratado pelo estúdio de Walter Lantz. Mais tarde, em 1941, trabalhou para Disney em Pinocchio.

Convocado para a guerra, acabou entrando para a Marinha. Transferido para o Laboratório de Pesquisa Fotográfica, em Maryland, não chegou a entrar em combate. Nessa época conheceu Alice Louis Mahar. Apaixonou-se e casou com ela.

Foi nesses dias que Ketcham começou a trabalhar como free-lancer para jornais e revistas. Em 1944 já desenhava para Collier’s e The Saturday Evening Post. Terminada a guerra, ele e Alice mudaram-se para New York. Dennis Lloyd Ketcham nasceria só em 1946.

Quando The New York Post se interessou na tira Dennis the Menace, a rotina de trabalho de Ketcham simplificou-se. Daí em diante todos seus esforços voltaram-se para essa única criação. A família Ketcham se mudou para a Califórnia, de onde o cartunista enviava seu trabalho pelo correio.

Poucas coisas permaneceram inalteradas nestes 51 anos da tira. Ketcham nunca tocou em temas políticos nem de atualidade. “Procuro trabalhar de maneira que não esteja amarrado a fatos históricos para não fazer uma tira datada.”, dizia.

Hoje Pimentinha, que passou a ser desenhado por Ron Ferdinand e Marcus Hamilton desde 1996, é publicada em 1000 jornais em 14 idiomas e 48 países.


Clique aqui e saiba como adquirir sua revista GrapHiQ!


©2001-2017 GrapHiQ Brasil e Mario Latino - Todos os direitos reservados

Created and Hosted By MPG Studios